quinta-feira, 14 de outubro de 2010

VILÕES DO SILÊNCIO

Por Fabiana Cozza . 14.10.10 - 14h32

Fonte: www.colunistas.yahoo.net

Fosse um caso isolado, a pauta não mereceria maiores delongas. Mas a prática de esquecer o celular ligado em salas de concerto, cinemas e teatros durante os espetáculos e exibições de películas tem chegado a um grau insuportável. No cinema, a atitude parece ter sido incorporada à prática de muitos frequentadores. E não é por falta de aviso. Há cartazes impressos nas salas, gravações em áudio e comerciais animados antes dos traillers para chamar a atenção à questões de segurança e também de civilidade: como devemos nos comportar dentro destes ambientes públicos.

Na noite do dia 2 de outubro, o pianista de jazz norte-americano Brad Mehldau apresentou-se no Teatro Municipal do RJ. Em meio aos lindos acordes e improvisos para canções de Chico Buarque e Francis Hime, Beatles e até Nirvana, Mehldau degladiava-se com o toque inesperado de celulares que o importunaram a noite toda, quatro ou cinco vezes. O bis foi a derradeira para o pianista que se retirou do palco.

Como ele, muitos artistas são incomodados com o toque destes aparelhos que ganham a cada dia uma infinidade de sons – em sua maioria estéricos, estridentes – cuja escolha muda de acordo com a personalidade e memória afetiva do freguês. De funk carioca à samba, de pop rock a punk, passando pelas batidas techno, durante um concerto, o toque destes pequenos seres é quase uma escola de samba aos ouvidos de um artista. Desconcentra muito, falo de carteirinha. Fora isso, a plateia também se sente provocada e geralmente agita-se na busca por identificar o infrator e na inútil tentativa de detê-lo.

Agora, qual a função real de manter um celular ligado num momento de entretenimento cultural? Sair de casa para assistir a um show musical, a um grupo de dança ou ver um filme é um ato de ocupar-se de forma prazerosa com uma linguagem que nos permita descobrir, refletir e enxergar o mundo de forma mais ampla. Além disso, é também uma maneira eficaz de nos distanciarmos do dia a dia, dos compromissos, tarefas, problemas a resolver. Manter o bichinho ligado é permancer conectado com tudo o que deixamos (ou não) para trás antes do terceiro sinal ou do apagar das luzes.

O uso do vibracall como opção silenciosa nem sempre exime o dono do aparelho de cometer a mesma indelicadeza já que a maioria dos aparelhos sinaliza a mensagem ou chamada com uma luz forte e no escuro é como se fosse um vagalume em terra de Alice.
A dependência do celular é explicada em diferentes pesquisas atualmente. Uma delas, realizada em 2009, pela Synovate, empresa que desenvolve pesquisas de mercado, comprovou que dos mais de oito mil usuários entrevistados, 75% deles não desgrudam de seus aparelhos e preferem perder a carteira com documentos aos telefones.

A pesquisa chama os celulares de “controle remoto” para a vida. O russos e cingapurianos foram identificados como os mais dependentes. A pesquisa não abrangeu o Brasil. Será que estamos a salvo dessa paranóia?

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